Artigos de Opinião

Maternidade naturalista: quais os limites?

Ser mãe a tempo inteiro ou regressar ao trabalho? Dar de mamar um ano ou optar pelo biberão? E se as diferenças de padrões sociais fossem aceites por todos?
O retorno a uma maternidade mais naturalista está a avançar, passo a passo, nos países do mundo ocidental. O parto natural, em casa ou dentro de água, a rejeição de produtos pré-confeccionados para alimentar o bebé, em prol dos feitos em casa, e até o ressurgimento das fraldas de pano são atitudes naturais e ecológicas que pretendem marcar uma ruptura com o consumismo instalado na sociedade. Mas quais serão os custos para a vida das mulheres?

Sara tem 38 anos e acaba de ser mãe pela primeira vez. É uma das muitas mulheres trabalhadoras que querem exercer a maternidade o melhor possível. Mas as posições opostas que se encontram na sociedade colocam-na em vários conflitos: gozar a licença completa ou regressar ao trabalho um tempo antes? Amamentar, pelo menos, até aos seis meses ou fazer ouvidos moucos à pressão e trocar a mama pelo biberão? Dar prioridade à maternidade ou ao emprego ou ainda tentar conjugar os dois?

Contra este e muitos outros conflitos tem estado a filósofa feminista francesa, Elizabeth Ba¬dinter, que com o seu livro “Le conflit, la femme et la mère” (Conflito: a Mulher e a Mãe, editado pela Relógio D'Água) tem suscitado um acesso debate que atravessa fronteiras.

Badinter tem 66 anos e três filhos e tem vindo a ser acusada de feminismo arcaico, mas ela refuta essas teorias no seu livro e nas várias entrevistas que tem dado aos meios de comunicação. Alerta para o facto de a crise económica e o desemprego provocarem um sentimento de culpa pelo que elas conseguiram no mundo do trabalho e as impelir a voltar ao papel tradicional da casa e dos filhos em exclusividade. E as que não querem, alerta, são consideradas de más mães. É por tudo isto que Elizabeth Ba¬dinter insiste para que sejam as próprias mulheres a optar pelo que querem, fazendo-o em plena consciência e sem se deixarem arrastar pelas novas tendências, dado que não são, nem podem ser, a realidade de muitas de nós.

Para a socióloga Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, esta nova tendência que parece empurrar a mulher para o retorno ao lar e aos filhos tem uma razão de existir, que está, de facto, relacionada com a crescente crise económica. Segundo explica, “pontualmente, em certos períodos históricos de crise tem acontecido”, muito devido ao facto de “existindo alguma falta de emprego, ser necessário assegurar o emprego masculino”. Deste modo, tende a eliminar-se o trabalho realizado pelos imigrantes e, claro, pelas mulheres.

Trata-se, segundo nos conta, de uma questão histórica: “o papel do homem no mercado de trabalho e o seu papel enquanto principal provedor dos recursos económicos da família é o que tem de ser garantido” quando a crise e o desemprego nos batem à porta.

Igualdade posta em causa

As seguidoras desta visão mais naturalista acreditam que a verdadeira essência da mulher é a de ser mãe, muitas optam por vivê-la a tempo inteiro outras parcialmente, mas cheias de conflitos interiores por não terem condições de poder exercer o que idealizam. Sem o saberem ou consciencializarem, diz Badinter, estão a colocar em risco muitas das conquistas de igualdade entre os dois sexos.

Elisabeth Badinter diz que esta igualdade entre o pai e a mãe foi conquistada justamente por causa do biberão e de outros avanços da modernidade e que o retorno à maternidade naturalista é um retrocesso na maneira de cuidar do bebé, que o priva do contacto com o pai e sobrecarrega a mãe. Para a filósofa, esse modelo de maternidade, com teorias "ecológicas moralizadoras, que fazem a natureza passar à frente das mulheres, torna impossível a igualdade entre os sexos".

Aliás, a entrada do homem nos afazeres da casa, fez-se, segundo nos conta Vanessa Cunha, não há muitas décadas, e através dos cuidados com os filhos. Enquanto a mãe trata do banho, ele faz o jantar; ou enquanto dá o biberão ou a papa, a mãe trata de outras coisas.

Contudo, do ponto de vista sociológico, actualmente, “por mais iguais que sejam (com as divisão de tarefas entre homens e mulheres), mesmo aceitando e valorizando a carreira da mulher, o homem ainda se vê como o principal provedor do bem-estar económico da família. Isto é mais um ponto que aproxima a mulher da maternidade, porque ser-se mãe é uma coisa natural; para os homens, esse papel foi feito através de uma conquista, e pode ser pernicioso afastá-lo dessa cena familiar”.

E se a paridade entre sexos ainda pode evoluir num sentido ainda mais igualitário, todo esse discurso de saber científico vai abalando essas conquistas sociais. “Quando a ciência diz que existe um instinto maternal, que a vinculação mãe/bebé é extremamente importante para o futuro da criança podem dar origem a reveses sociais, afastando-nos das conquistas sociais que já temos…”

Do ponto de vista psicológico, o não existir desta partilha de responsabilidades ou o afastar da mãe da carreira laboral também pode ser algo perigoso para a saúde mental da tríade familiar (mãe, pai, bebé) . Segundo refere a psicóloga e psicoterapeuta Ana Paulico, “sem esta partilha de afazeres e responsabilidades, muitas mulheres podem, simplesmente, entrar em ruptura”. Porque, “embora nos primeiros meses, os bebés precisem de alguém que corresponda às suas necessidades – quer do ponto de vista biológico, quer emocional – a mãe não se pode esquecer de si, enquanto mulher, não deve ficar exclusivamente na dependência do seu bebé”. Da sua experiência na prática clínica, a psicóloga fala da existência de muitas mulheres que ficam perturbadas, e quantas vezes frustradas, por terem um bebé que só lhe exige atenção e cuidados e que lhe consome 24 horas por dia. “E porquê? porque retiram o papel do pai”.

Amamentação exclusiva ou biberão?

A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), posição também assumida pela Associação Portuguesa de Pediatria, defende que os bebés sejam alimentados exclusivamente com leite materno durante os primeiros seis meses de vida e até aos dois anos, quando combinado com outros alimentos.

De facto, são raros os estudos que põem em causa as normas da OMS, o que leva a filósofa a afirmar no seu livro que o "direito de amamentar" está a tornar-se uma obrigação, reforçada pela OMS, para todas as mulheres, sem excepção. E às críticas que se erguem um pouco por todo o mundo contra a sua postura, Badinter responde que não critica a amamentação. “Só não quero que seja um modelo imposto. Nos hospitais, há pressão para que as mulheres o façam, mas o biberão também é bom para a criança. Não somos todas iguais, como os chimpanzés. Há mulheres que não gostam de amamentar".

Para a psicóloga Ana Paulico é uma constatação que, “em termos orgânicos e relacionais, a amamentação é fantástica, mas quando há condições para o fazer”.

Porque quando a mãe não tem essa possibilidade – porque quer, emocionalmente, mas não consegue, ou gostava de ter essa disponibilidade de tempo para amamentar, mas em termos laborais não lhe é permitido, ou pensa que aquilo que faz não vai de encontro com aquilo que dizem ser o ideal – podem gerar-se graves conflitos internos.

Estes conflitos devem ser analisados com clareza, reforça a psicóloga, lembrando que, embora a amamentação traga inúmeros benefícios quer para a mãe, quer para o bebé, também não constitui “falha grave” se a mãe não conseguir ou não quiser amamentar, quer sejam por razões físicas, psicológicas ou em termos da sua vida laboral, porque, afinal, existem no mercado inúmeros leites de fórmula (seguros e enriquecidos com nutrientes semelhantes ao leite materno). O Importante, nesta primeira fase do desenvolvimento da criança, será a disponibilidade emocional da mãe para estar com o seu filho, a sua capacidade de lhe corresponder afectivamente (dando apoio, carinho e afecto) favorecendo o desenvolvimento adequado da criança. É esta interacção de gestos emocionais que permite ao bebé aprender a tomar consciência e a reagir aos estímulos emocionais, permitindo a estruturação do “eu”. Inserido nesta dinâmica de afectos, amamentar por via biológica, é um dos vários gestos de cuidar.

Por outro lado, de um ponto de vista mais profundo, estes dilemas acontecem porque, explica Ana Paulico, ainda temos modelos dos nossos pais e avós, que mudaram dramaticamente nas últimas décadas. “E se antes, a nossa mãe podia estar mais tempo em casa, dedicar-se mais aos filhos; hoje há um outro nível de exigência para o trabalho – quer em termos de horário, quer em termos de dedicação – que as nossas mães não tiveram”.

Tanto a socióloga, como a psicóloga não acreditam que estes movimentos a favor da amamentação tenham a intenção que a escritora Badinter lhes dá, acham que não têm por de trás uma ideia perversa cuja intenção seja a de (re)colocar as mulheres no centro do lar, nem queiram provocar danos nas conquistas femininas.

Aliás, segundo nos conta Vanessa Cunha, na sociedade portuguesa existe uma grande tradição do trabalho feminino a tempo inteiro e não em part-time como acontece noutros países. “Com a guerra colonial e com a emigração masculina muito elevada na história do século XX, a mulher sempre foi muito necessária para manter o sustento. E existe outra característica portuguesa que é o facto de o rendimento da mulher ser importantíssimo para a subsistência do agregado doméstico, são poucos os casais em que podem ter apenas um a contribuir. Mais: não só é aceite como é esperado. Isto significa que não só as mulheres querem trabalhar, como os homens têm essa expectativa. O facto de as mulheres trazerem dinheiro para casa, mesmo que menos que os homens, dá-lhes um poder de negociação que de outra maneira não o teriam”.

Movimentos

Em muitos sítios na internet vemos, por questões ambientais, verdadeiras incitações ao uso da fralda de pano, conversas virtuais entre mães que se dizem incapazes de aquecer a comida do bebé no microondas, por receio dos malefícios para a saúde, e pelos mesmos motivos, referem que não compram as papinhas do supermercado ou que fazem as sopas na hora por terem medo que congelar a comida retire os nutrientes.

Na verdade, e não retirando as preocupações com o melhor para a saúde dos seus filhos, se conversassem com especialistas iriam verificar que a maioria destas ideias têm por base mitos e não provas dadas pela ciência.

Sobre este assunto, e para nos dar mais dados para pensar de uma forma mais clarividente, a socióloga Vanessa Cunha aponta-nos dados de estudos sociológicos os quais referem que, em termos de trabalho doméstico, as mulheres portuguesas despenderem mais horas do que a média europeia. E não porque os homens europeus participem mais que os portugueses, mas porque as portuguesas dão mais importância ao trabalho doméstico que as congéneres europeias. “As mulheres portuguesas continuam a ser um bocadinho escravas deste sentimento de serem briosas e fadas do lar… e se acrescentarmos a isto, o fazer as sopas sem congelar e as fraldas de pano, isso acresce uma ou mais horas por dia…tornando a vida num inferno…”

Também a psicóloga Ana Paulico concorda que, em termos de ideais, temos, actualmente, preocupações mais ecológicas, mas, de facto, em termos sociais é como se voltássemos umas décadas atrás. “De qualquer modo, para fazermos esta mudança temos de fazê-la em termos de atitude e de padrão de vida. Há mulheres que conseguem lidar com isto, mudando todo o seu conceito de vida; fazem uma opção clara: ou vivem mais para a criança, ou vivem mais para a sua profissão. Esta mudança passará por uma opção consciente, mas é uma escolha, e essa atitude é saudável, se conseguirem enquadrar tudo isto numa nova atitude face à sua vida familiar”.

O problema é, contudo, naquelas mulheres que gostavam, idealizando esta alternativa, mas não estão preparadas para assumir essa mudança. “Se querem entrar num movimentos destes, que seja por opção de vida e não porque é uma moda. Têm que assumir este equilíbrio de ganhos e perdas, avaliando as vantagens e os inconvenientes desta mudança. Uma mudança desta natureza requer uma mudança no padrão de funcionamento, num estilo de vida, que aceitam integralmente. Se, pelo contrário, for por moda, vai tornar-se mais uma exigência e poderá tornar-se muito penoso e até mesmo destruturante do ponto de vista familiar”.

Para a doula Sandra Oliveira, uma das principais promotoras do bionascimento em Portugal, que apela ao parto não medicalizado e o mais natural possível, sustenta que as mulheres que acreditam na possibilidade de terem um parto natural ou que têm preocupações ambientais não o fazem por questões de moda. “São coerentes com determinada linha de vida, de filosofia. Elas sabem, são mulheres informadas, sobre os perigos para a saúde, por exemplo do uso hospitalar da ocitocina (hormona que induz o parto) da aplicação da epidural ou da cesariana, e não querem correr esses riscos”.

Sobre as teorias da filósofa Elizabeth Ba¬dinter, Sandra Oliveira contesta-as de um modo veemente. Refere que, com perto de 70 anos, é normal que a escritora não tenha as preocupações dos pais de hoje em dia, por exemplo, com as questões ambientais, “com as quais poderemos sofrer nós e as gerações dos nossos filhos”. Diz também que, nos antípodas do que a filósofa contesta, o facto de impor à mulher uma vida dedicada ao trabalho e afastá-la do papel de mãe e mulher também é altamente castrador. “Os movimentos feministas foram, de facto, muito importantes para libertarem as mulheres de uma vida de escravatura. Mas, não será que, actualmente, ao exigirem tanto das mulheres a nível profissional também as colocam numa situação semelhante”, questiona Sandra Oliveira, acrescentando ser importante assumir as diferenças entre homem e mulher. “E, de facto, embora os pais estejam cada vez mais presentes no lar (com a partilha de tarefas), são as mulheres que, por natureza, têm o papel de tratar da casa e da educação dos filhos, de lhes passarem os valores e os princípios tão importantes para serem adultos felizes” e que por isso é importante a introdução de medidas políticas e sociais que permitam à mulher que opta por ser mãe ter redução de horário, ou horário flexível, sem ser penalizada.

Soluções?

De facto, durante as últimas décadas têm ocorrido mudanças a diferentes níveis: aumento do número de mulheres que trabalham fora de casa e a acumulação da vida doméstica com o emprego. Razões mais do que suficientes para explicarem a redução da taxa de natalidade. Mas, segundo conta a socióloga Vanessa Cunha, “mesmo assim temos filhos” e Portugal é o país da Europa onde há menos mulheres que não têm filhos. De acordo com dados estatísticos revelados pela investigadora, as mulheres portuguesas que nasceram em meados dos anos 60, e que atingem agora o final da trajectória reprodutiva, só 5% não tiveram filhos, ao contrário do que acontece na Alemanha, Itália, Inglaterra, onde a taxa chega aos 20%.”

Mas, na verdade, não se podem contestar os dados que demonstram uma tendência crescente – em Portugal e em certos países da Europa – para uma baixa da taxa de natalidade nos próximos anos. A solução poderá passar por uma mudança da mentalidade, deixando de culpabilizar as mulheres por terem uma opção em vez de outra. E também em medidas de apoio por parte do Estado.

Embora as políticas públicas, no sentido da promoção da natalidade, sejam diferentes consoante os países, a socióloga reforça que não são as políticas que têm por base uma ideologia da maternidade e da sua promoção – com licenças de maternidade muito longas, com a mulher a voltar para casa para tratar exclusivamente dos filhos e sem infra-estruturas de apoio para colocarem as crianças – que têm sucesso. “Pelo contrário, provocam uma baixa da natalidade, porque as mulheres não têm opção. É o caso da Alemanha, onde existe uma elevada taxa de mulheres com alta escolaridade, que não querem ficar em casa quando têm filhos, mas que não têm creches para os deixar”.

Outras políticas, nomeadamente no norte da Europa, que são orientadas para a partilha de género, ou seja, onde as mulheres podem partilhar a licença com o homem, têm conduzido a um ligeiro aumento da natalidade. Políticas que permitam às mulheres regressar ao mercado de trabalho e promovam a igualdade de género são as que até agora têm tido mais sucesso.

Psicoterapia e Desenvolvimento Pessoal

A Psicoterapia de Apoio, pela sua definição, poderá ser recomendada a todas as pessoas. Por natureza surge como um pedido de auxilio, numa situação de crise. Mas pode e deve ser, cada vez mais encarada como uma ferramenta de descoberta pessoal. Neste sentido, a psicoterapia permite-nos um auto-conhecimento profundo do modo como funcionamos e a descoberta das ferramentas necessárias para o nosso bem-estar, na procura da saúde mental.

Áreas de Intervenção:
Psicoterapia individual da Criança, Adolescente e Adulto e Idoso, nas diversas problemáticas associadas.
Psicoterapia de Desenvolvimento Pessoal, na descoberta do Ser.
Avaliação Psicológica

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